Neila Mahumane (nome fictício), 25 anos de idade, trabalha à noite. O seu local de trabalho é a Avenida 24 de Julho, cidade de Maputo. Desempenha a sua actividade todos os dias da semana, das 18.00 às 23.00 horas, mas quando há pouca clientela só abandona o local ao amanhecer. Na rua, tem dupla tarefa: conquistar clientes e ser activista pelos direitos das trabalhadoras de sexo.

Como activista, Neila ensina as prostitutas a levar uma vida saudável, prevenindo-se de doenças de transmissão sexual. Mostra as colegas de trabalho como usar correctamente o preservativo masculino e feminino e encoraja-as a fazer o teste de HIV e SIDA nos centros de Saúde que fazem um atendimento especial a este grupo de mulheres, a exemplo dos Centros de Saúde do Alto Maé e o do Porto. Este último funciona também à noite e localiza-se na baixa da cidade de Maputo.

 “Se um homem exigir manter relações sexuais com uma trabalhadora de sexo sem preservativo, prometendo pagar muito mais em relação ao preço normal que cobramos, mesmo sabendo que nos envolvemos com mais de seis parceiros diferentes por dia, é porque alguma coisa esse homem tem. Há que duvidar!”, esta é uma das mensagens que Neila transmite às colegas.

Na rua, Neila desperta nas colegas sobre a necessidade de se defenderem dos polícias-ladrões e dos clientes que não aceitam pagar depois da realização do acto e explica porquê: “sofremos muito na rua. A Polícia tira-nos o dinheiro da receita do dia, alegando que a actividade que desempenhamos é ilegal ou exige que lhes prestemos os nossos serviços sem recompensa”.

Durante os sete anos de serviço, Neila conta que vários foram os episódios que assistiu de colegas que foram vítimas de tortura protagonizada pelos agentes da lei e ordem e pelos clientes. Contou a estória de uma mulher que ficou paraplégica porque se desentendeu com o cliente e este atirou-a do primeiro andar para o rés-do-chão.

“Estávamos numa pensão na “24 de Julho”, quando ouvimos gritos de socorro da colega que estava a ser espancada pelo cliente. Momentos depois, ouvimos barulho no rés-do-chão. Era a nossa colega! Foi atirada da janela do primeiro andar para baixo. Sofreu na região da bacia e não conseguia andar. Quando tentámos localizar o cliente dela já era tarde porque estava a abandonar o local. Ameaçou-nos com uma faca enorme. Pulou o muro e desapareceu”.

Esta mulher, segundo Neila, não mais voltou à rua, mas a sua filha mais velha, que aparenta ter 14 anos, infelizmente, iniciou a actividade de sexo comercial.

“Sentimos muito quando vimos isto porque a mãe tem conhecimento do trabalho que a filha faz e dos perigos que se corre na prostituição. Pior é que com o grupo das adolescentes é mais difícil de lidar com ele. Elas drogam-se e são muito violentas. Tentamos chegar perto delas para sensibilizá-las para abandonarem a rua ou a adoptarem métodos de prevenção contra doenças, mas não está a ser fácil”, observa Neila.

Muito dinheiro movimentado

Muito dinheiro movimentado

A nossa fonte faz parte de um conjunto de activistas que recentemente recebeu formação sobre prevenção positiva, na Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Família (AMODEFA), cidade de Maputo.

“Com esta capacitação pretendemos que as meninas saibam que mesmo sendo seropositivas devem usar sempre o preservativo nas relações sexuais para evitar a dupla infecção”, fez notar Marcelo Kantu, assistente de direcção para área de monitoria e avaliação e coordenador do projecto inclusão.

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Explicou que difícil seria persuadi-las a abandonarem a actividade porque muitas delas conseguem sustentar as suas famílias com base no sexo comercial. É que, segundo afirmou, esta actividade é praticada por mulheres jovens, mais crescidas, adolescentes, incluindo alguns homens. Há mulheres que desempenham a actividade nas suas casas, outras têm contactos e ficam à espera da ligação do cliente e há ainda aquelas que vão à rua à busca de cliente. Estão envolvidas mulheres de diferentes estratos sociais e níveis académicos.

“Esta actividade movimenta muito dinheiro. Há mulheres que têm clientes que pagam em dólares, libras ou outras moedas e ganham muito com isso. Algumas chegam a fazer 1500 a 2 mil meticais por dia. Que alternativas de trabalho podemos oferecer a estas mulheres para abandonarem a prostituição?”, questiona Kantu. Por isso, acrescenta: “achamos melhor educá-las a desempenhar o sexo comercial de forma saudável e segura”.

Há sensivelmente seis anos, estudos feitos indicavam para uma média de 200 trabalhadoras de sexo que desempenhavam a actividade, diariamente, na zona baixa da cidade de Maputo. Este número não engloba as outras que ficam à espera de telefonemas ou que realizam o trabalho nas suas casas.

Espancada no 2º dia de trabalho

Maria Amélia (nome fictício), 34 anos de idade, é trabalhadora de sexo há sensivelmente 10 anos. Integrar-se na actividade não foi fácil para ela. No seu segundo dia de trabalho foi espancada por um cliente por inexperiência. “Ele queria sexo oral, mas não aceitei. Não sabia que se negociava antes de se ir ao quarto. O cliente ficou violento, bateu-me e abanou-me toda. Fiquei com medo e pedi ajuda. As minhas amigas que me convidaram a fazer parte do grupo apareceram de imediato e ajudaram-me a resolver o problema. Levaram o sujeito à esquadra”. Apesar do susto, Maria não desistiu e explica porquê: “Estava desesperada em conseguir dinheiro para sustentar o meu filho”.

Com 12ª classe, Maria Amélia diz que o seu maior receio é infectar-se com o HIV/SIDA à semelhança de algumas colegas suas que hoje estão impossibilitadas de trabalhar no sexo comercial devido à doença ou outras que mesmo sendo seropositivas, continuam a ir à rua. “Há vezes que o preservativo rompe e isso preocupa-me”.

Encarceradas por uma semana

Encarceradas por uma semana

Aos 17 anos, Rosa Graça (nome fictício) tornou-se trabalhadora de sexo. Foi vítima de várias atrocidades da Polícia e de militares. Contou-nos o que aconteceu. “A Polícia encontrou-nos na rua à espera de clientes e queria que lhes déssemos o dinheiro que já tínhamos conseguido ou manter relações sexuais com eles sem nos pagarem. Não cedemos às suas exigências, como resultado levaram-nos à 3.ª Esquadra e nos encarceraram durante uma semana e não nos diziam porquê. Depois soltaram-nos, do nada. Outra vez, na zona de Marínguè, Avenida Julius Nherere, estavam lá militares que queriam forçar-nos a manter relações sexuais com eles, mas negámos. Como castigo mergulharam-nos na piscina e, depois, tiraram-nos. Era Inverno”.

Com 35 anos de idade, Rosa diz que já conhece os seus direitos e nenhum Polícia lhe abusa, mesmo o cliente, graças às formações em que tem participado sobre direitos humanos e prevenção de doenças de transmissão sexual.

Evelina Muchanga

Jornal Notícias