Texto de Corinna Jentzsch[ii]

Traduzido por Pedro João Pereira Lopes[iii]

No mês passado, Moçambique e a comunidade internacional comemoraram uma importante conquista: a nação do sul de África foi declarada livre das minas terrestres. A conquista ocorre 20 anos após o fim de uma guerra civil que devastou o país entre 1976-1992. E o conflito seguira, afinal, uma luta armada pela independência contra Portugal, que durou 10 anos.

A desobstrução das minas foi o culminar de uma história de sucesso pós-guerra. Moçambique realizou cinco eleições multipartidárias pacíficas, a última em 2014; observaram-se duas mudanças na liderança, em 2005 e 2015; e as expectativas são elevadas no que respeita a um indispensável investimento directo estrangeiro para extrair e processar o gás da costa norte do país.

No entanto, acontecimentos recentes mostram que a paz é precária em Moçambique. Afonso Dhlakama, o presidente da Renamo, grupo rebelde que virou partido da oposição, prometeu assumir o controlo de seis províncias do norte. O sucesso de Dhlakama na contagem dos votos em cinco destas províncias, e as irregularidades reconhecidas nas eleições presidenciais de 2014 têm incentivado o líder da Renamo a “tomar o que ele acha que lhe pertence”. Dhlakama se compromete a controlar as seis províncias até Março, através de meios pacíficos, a menos que encontre resistência.

A situação é instável em outras partes do país também. Em Janeiro, o secretário-geral da Renamo foi baleado e seu guarda-costas morto na segunda maior cidade de Moçambique, Beira. Confrontos recentes entre o governo da Frelimo e a Renamo motivaram, na região central, a fuga de milhares de pessoas para o vizinho Malawi. Os novos refugiados acusam as forças do governo de incendiar as suas casas em buscas pelos soldados da Renamo.

Este pequeno conflito armado entre a Renamo e o governo da Frelimo rompeu no início de 2013, mas tem as suas raízes na guerra civil. A Renamo, apoiada pela Rodésia (hoje Zimbábue) e pela África do Sul, lutou contra o governo socialista da Frelimo, até que assinaram um acordo de paz em 1992. A Frelimo ganhou as primeiras eleições democráticas em 1994 e governou desde então, embora a Renamo tenha chegado perto de vencer em 1999 e continue repetidamente a acusar a Frelimo cometer fraude eleitoral (mais recentemente em 2014).

A violência política que marca os últimos anos aponta para deficiências do processo de paz que, misturado com novos problemas que Moçambique enfrenta, desafia a narrativa da história de sucesso.

  1. A persistência da polarização

Amnistias informais, processos de reintegração tradicionais e o desejo dos moçambicanos de manutenção da paz têm contribuído, em grande parte, para a existência de relações pacíficas ao longo das duas últimas décadas. A minha pesquisa aponta que os grupos paramilitares, por exemplo, rapidamente se desfizeram. Em minhas conversas com os residentes das cidadelas da Renamo, em 2011-2012, aprendi que as pessoas se viam como vítimas de uma guerra que não queriam. Ninguém queria rever guerra civil.

Ainda assim, a guerra deixou a sociedade extremamente polarizada. Durante o governo da Frelimo, o partido tem servido aos seus próprios apoiantes. Ex-combatentes da Renamo frequentemente se queixam da falta de acesso aos postos de trabalho, o que os faz procurar pelo apoio da liderança da Renamo.

A polarização é não apenas de acordo com o partido, envolve também o regionalismo. Em sua retórica política, Dhlakama explora a divisão norte-sul para as suas ambições separatistas. Embora o novo presidente, Filipe Nyusi, seja do norte de Moçambique, a elite da Frelimo é tradicionalmente do sul, e as fortalezas da Renamo estão localizadas nas províncias do norte.

  1. A Renamo tem mantido uma força armada, e seu líder está frustrado

Após a guerra civil, a Renamo transformou-se com sucesso de um grupo rebelde para um partido político, mas a mentalidade de Dhlakama não mudou. Ele fechou-se no seu campo de guerra rural, no centro de Moçambique, no final de 2012, de onde saiu para um novo acordo de cessar-fogo e para as eleições de 2014; presentemente está de volta ao seu esconderijo. Dhlakama tem mantido um grupo armado de cerca de 150 homens e uma “guarda presidencial” de 10 homens, que reiteradamente se recusa a desarmar.

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Dhlakama jamais se integrou completamente no processo político, e os líderes da Renamo que buscaram inclusão, foram postos de lado e acabaram por abandonar o partido. Muitos deles formaram um terceiro partido político, o Movimento Democrático de Moçambique (conhecido popularmente por MDM).

Estas saídas deixaram a Renamo politicamente fraca, assim como o é a pequena força de Dhlakama quando comparada à força militar do país. As declarações de Dhlakama, de apossar-se das províncias do norte são, na verdade, ameaças feitas em estado de frustração.

  1. As riquezas do país estão em disputa, enquanto a desigualdade a aumenta

Uma das razões pela qual as tensões têm aumentado é a riqueza dos recursos naturais recentemente descobertos que não está a ser igualmente distribuída. Dhlakama acusou as elites da Frelimo de não compartilhar os rendimentos provenientes da extracção dos recursos naturais.

Um actual relatório do FMI apoia as alegações de Dhlakama; o documento mostra que apesar das altas taxas de crescimento económico, a desigualdade de renda aumentou em Moçambique. Além disso, a desigualdade de renda está geograficamente concentrada nas regiões central e norte de Moçambique, onde a paz é particularmente frágil. Tumultos em 1995, 2008, 2010 e 2012, relacionados com o aumento dos preços dos alimentos e dos transportes, mostram a frustração da juventude quanto ao acesso a recursos e poder político.

Os jovens que participam destas manifestações não experimentaram o sofrimento da guerra civil – razão pela qual os mais idosos temem que a guerra possa retornar. Informações recentes, dando conta de jovens armados nos encontros da Renamo, têm contribuído para a possibilidade de a Renamo estar a recrutar jovens e descontentes.

  1. A repressão está a aumentar

A Frelimo não tem tratado os conflitos delicados de forma óptima. Durante e depois da guerra civil, o governo ficou ocupado, sobretudo, com a promoção de uma noção de “unidade nacional” – a ponto de silenciar a oposição. Um exemplo proeminente é o assassinato, em 2015, do professor de direito constitucional, Gilles Cistac. O professor tinha defendido a viabilidade constitucional da proposta das províncias autónomas da Renamo – um sério desafio ao refrão de unidade nacional da Frelimo. (Não há nenhuma evidência que ligue a morte de Cistac aos simpatizantes da Frelimo, mas analistas mencionaram suas opiniões sobre a autonomia provincial como a causa provável do seu assassinato.)

Um outro exemplo recente de supressão de seus críticos por parte do governo moçambicano é o caso de difamação contra o proeminente economista Carlos Nuno Castel-Branco e o jornalista e editor Fernando Mbanze. Castel-Branco publicou uma carta aberta em sua página no Facebook, que iniciou com “Senhor Presidente, você está fora de controlo.” O economista acusou o então presidente Armando Guebuza de eliminar todas as formas de oposição e criticou-o pelo seu envolvimento na indústria extractiva. Ambos os exemplos apontam para graves limitações à liberdade de expressão em Moçambique.

Enquanto um retorno à guerra civil parece improvável, a paz permanece frágil. A recente onda de violência é um sintoma de que o processo de paz, que começou com a assinatura do acordo de paz em 1992, ainda é o “sujeito e objecto de luta”.

[i] Artigo traduzido do original “Here are 4 reasons why Mozambique isn’t a post-war success story”, disponível online no The Guardian em: <https://www.washingtonpost.com/news/monkey-cage/wp/2016/02/02/here-are-four-reasons-why-we-should-question-mozambiques-post-conflict-success-story-narrative/>, último acesso em 05 de Fevereiro de 2016.

[ii] Corinna Jentzsch é professora assistente de ciência política na Universidade de Leiden. Sua pesquisa sobre Moçambique foi financiada pela National Science Foundation.

[iii] Pedro João Pereira Lopes é escritor, pesquisador e docente universitário no Instituto Superior de Relações Internacionais.