A minha maior paixão sempre foi a arte. Viajar foi uma receita médica, literalmente. Desenvolvi o fascínio pelas andanças, uma mochila às costas, uns trocos nos bolsos e um sorriso maroto na face, uma versão pobre de Álvaro Garnero. Não, não conheço Moçambique, somente as províncias do centro e as sulistas, mesmo assim, na maior imperfeição. Dos lugares que conheci, a Cidade de Inhambane é inesquecível, fiz três viagens, duas no verão e uma no inverno, parte dos melhores momentos da minha existência.

Não quero, neste texto, escrever sobre a Cidade de Inhambane em si, a ‘terra de boa gente’, por mais que o fizesse de forma diferente, acredito que o assunto já foi suficientemente desbravado, e uma pesquisa na internet confirma a minha suposição. As minhas experiências ‘inhambanísticas’ ainda me enriquecem os olhos, sinto uma paz na pele, sempre que as revivo, momentos de blackout tragados como páginas de livros. Nunca é inverno em Inhambane, as suas praias – Tofo, Tofinho, Tartaruga e Baía dos Cocos – estão sempre à espera de pessoas, turistas ou não, elas nem sequer se importam. I’mbane é mais do que as praias que ostenta, frutos-do-mar, bijuteria e quinquilharia turística, avenidas e ruelas semi-desertas e desenxovalhadas; no Verão, a marginal desenfada-se até depois da meia-noite, altura em que o som de uma discoteca próxima anuncia o início de mais uma madrugada-dançante. I’mbane é também terra de ‘lanho’, de água-doce, gelada, única; de pão ou bolo de sura (líquido colhido do tronco de certas espécies de palmeira).

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Sou um afortunado por ter conhecido o paraíso que é Inhambane (que me inspirou o romance ‘O Ressurgir Sombrio’), mas nada do que foi sumariamente descrito foi mais intenso do que conhecer Mucucune, e essa seria a minha maior experiência na terra que recebeu Vasco da Gama. Não compreendi ao certo o que é – é-me geograficamente irrelevante – entretanto Mucucune parece uma ilha, ou parte da baía, e pode ser avistada a partir do fim da marginal, logo depois da ‘Casa do Capitão’, ou de outros pontos, mas a paisagem deste ponto, ao entardecer, é incrivelmente deslumbrante, parece sítio onde o sol se esconde.

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Conhecer Mucucune foi uma aventura audaciosa, uma viagem longa, cerca de duas horas de caminhada. A viagem incluía atravessar o Índico, em maré-baixa; de sandálias e câmera no pescoço, lá fomos nós no inico da manhã. A sensação de estar em uma circunstância bíblica, a atravessar o mar, provocou irremediáveis risos no seio do grupo. Em certos pontos, durante a cruzada, a água atingia quase o nível da cintura, o que impunha cautela, pois não sabíamos bem onde pôr o pé, por mais que seguíssemos uma trilha e estivéssemos com uma pessoa que já fizera o trajecto dúzias de vezes.

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Mucucune é verde, muito verde, cercada de pequenos mangais e palmeiras. As pessoas são alegres, sorridentes, simples, algumas vivem em casas de blocos e chapas de zinco, outras em casas de paus e barro; corrente eléctrica, água potável, escolas e hospitais – só do outro lado do mar. Alguns têm um gerador, uma televisão, um rádio, uma parabólica – artigos trazidos da vizinha África do Sul –, viver em Mucucune é uma graça, mas também uma maldição. A maioria das casas melhoradas tem um sistema de captação e armazenamento da água da chuva, e enquanto as mulheres cavam a terra, confeccionam bolos de sura ou bebidas tradicionais, os homens pescam ou cozem diversos artigos de roupa.

Mucucune - Inhambane

A vida tem um sabor diferente, em Mucucune: os bolos de sura são mais deliciosos e a água de lanho é mais doce e gelada. Fiquei encantado com o pedaço de terra, não só pela sua beleza verde, mas também pela beleza das pessoas, pela beleza das suas almas. Deixar Mucucune foi triste, foi divertido e também cansativo. Espero lá ir novamente, e para quem for visitar a Cidade de Inhambane, não deixe de viver essa experiência, Mucucune pode ser mais um motivo para amar a cidade.