Desgraça...

Em um dia destes, estava eu em um bate-papo com amigos africanos que vivem comigo cá na Rússia. Era um bate-papo entre Mocambique, Etiópia, Angola e Somália.

Há muito que esperava uma oportunidade destas para saber o que se passava pela cabeça dos futuros governantes de África, pois, das vezes que nos reuníamos, ou estávamos nos copos, ou praticando desporto, ou apreciando mulheres, as Belas Russas. E nesse dia, não fugimos à regra, o assunto eram os contrastes entre as Russas e Africanas, as explosões corporais de umas e o charme de outras… mesmo assim, nesse dia não hesitei e aticei a fogueira, disse:

– Alô irmãos, deixemos as mulheres de lado, contrastes entre Russas e Africanas e vamos falar de coisas mais interessantes.

– O QUE PODE SER MAIS INTERESSANTE QUE MULHERES? – Responderam todos ao mesmo tempo.

– He he he he – soltei uma leve gargalhada e como não quis desperdiçar a oportunidade retomei ao assunto sem contestar a opinião da maioria e continuei:

– Ok! Vocês têm razão… Mas vocês pensam em voltar para África assim que terminarem os estudos?

– Irmão você apanhou alguns copitos de vodka hoje – perguntou o Somaliano, com ar meio gozado e continuou do mesmo modo

-Tu gostas de te actualizar e Eu tenho de aturar a tua cara todos os dias, porque vens ao meu quarto para ter acesso à Internet. E tenho notado que, a primeira coisa que fazes ao aceder a net é acessar a noticias online. Por isso não contexto, pois quem busca informação, busca inteligência e quem busca inteligência, terá uma vida instruída para o bem e uma personalidade minimamente vincada. Como não quero que teus pais sofram o desgosto de seres um larápio, deixo-te acessar a minha Internet, além do mais…

– Opsss! Hei,Hei,Hei… filho dos desertos, ilustre pirata-interrompeu o camarada Mangole – Lavemos roupa suja em um outro dia, continue a alimentar a tua explicação sem ofender a ninguém.

– Ok, ok Jonas Savimbe – disse o Somaliano com o ar de gozo de sempre – É brincadeira Mr. Marrabenta,ou prefere ser Mr Pandza?

– Marrabenta é melhor – respondi do mesmo jeito animado.

– Como queiras, Mr Marrabenta.Tu vês o que esta a acontecer na Somália agora? Sabes o que o meu povo tem passado? Deixa-me refrescar-te;

Todos redobramos a atenção, um temporal de verdades se aproximava, algo muito duro estava prestes a sair daquela boca!

– Há uma seca terrível assolando o meu país. A ONU já declarou estado de emergência, o país esta repleto de capacetes azuis (soldados da ONU) para ajudarem a controlar a distribuição dos mantimentos e salvaguardar a paz. A Cruz Vermelha também já está lá presente. Milhares de pessoas estão morrendo de fome, não há semana em que não recebo uma chamada comunicando-me a morte de um conhecido, que uma criança outrora sorridente, foi privada de o ser porque foi abandonada pela mãe, pois esta, já não tinha esperanças de que seu filho continuaria vivo. Milhares mais são abandonadas, ou ficam órfãs de pai e mãe. A ajuda internacional não tem chegado para apaziguar o mal e ainda por cima tem havido os malditos conflitos civis pelo controle do porto… – fez uma pausa, percorreu os olhos por todos e continuou:

– E mesmo com estes fortes motivos – seus olhos mudavam de cor, tornaram-se mais vermelhos que o habitual – o meu governo não cai nos braços da honestidade, continuam os roubos, continua a guerra, continuam trancados os milhões que nos são roubados diariamente. Os filhos dos governantes continuam comendo e bebendo do melhor, gastando nosso dinheiro no estrangeiro, comprando carros de ultimo grito… os nossos governantes continuam alimentando os coiotes da pirataria marítima, vários irmãos meus são mortos caso recusem ser escravos no mar. E Tu…- Seus olhos encontravam-se já húmidos, o dilúvio de lágrimas era inevitável, prosseguiu no mesmo tom, calmo, severo…

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– E Tu, vens perguntar-me se voltarei para África? Quanto muito enviarei dinheiro para tirar meus familiares daquele túmulo!!!

– Irmão é verdade o que dizes. Mas se nós, os africanos, não resolvermos os nossos problemas, quem fará isso por nós – perguntei-lhe.

– Apoiado Mr Marrabenta, devemos seguir o exemplo dos Líbios e os de mais povos da “África Branca” – disse o Angolano.

– Ha Ha Ha Ha Ha Há – soltou uma gargalhada o Etíope que até aí não havia dito nem se quer uma palavra – Não me faças rir irmão – O tipo ria com gosto que até lhe saíram lágrimas.Terminada a gargalhada, já com ar sério falou:

– Vocês sabem como nos chamam a nós que vamos tentar aliviar a fome nos vizinhos brancos? Sabem o que eles dizem?

– Não – respondemos ao mesmo tempo eu e o Angolano!

– Eles dizem, “Oh Preto, oh africano… que fazes aqui, vai pra tua terra…”

– Irmãos – continuou o Etíope – Eles não se consideram Africanos, são Africanos apenas porque o chão que pisam, que lhes acolhe, está situado em África. Só isso, a forma deles de viver e de pensar é totalmente oposta à nossa. “Os Pretos”, o verdadeiro africano, não têm coragem para actos daquela dimensão. Estão a ver os irmãos do Zimbabwe? Etiópia também se quiserem? Moçambique ao menos faz greves, mas é tudo farinha do mesmo saco. Não continuo para não ter de mencionar todos os países onde o negro é a maioria… Nós é que somos Africanos, o verdadeiro Africano é medroso, choramingão, só reclama, não faz nada de notável para inverter a situação, o verdadeiro africano é covarde.. nós sim, é que somos Africanos!

– Agora entendes-me Mr Marrabenta – perguntou o Somaliano – Para África, eu só volto em forma de cinza!

Nesse mesmo instante as comportas do seu coração foram abertas, duas grossas lágrimas correram-lhe pela face. Eu tentei ocultar as minhas que já batiam à porta, tive de ser rápido e perguntei:

– Alguém tem vodka?

-Já viste soldados sem armas – respondeu o Mangole.

Minutos depois estávamos nós brindando a África, a terra amada, a terra adormecida… As palavras do irmão Somaliano desmoralizaram-me tanto que nem tive forças para dar a minha opinião, para dizer que apesar do que a natureza possa ter feito de nós, não devemos deixar de tentar inverter a situação, pois, nós que estamos cá no estrangeiro, somos mais uma esperança dos que ficaram em casa, somos mais uma vela acesa para acender as demais.

Africa, surget et ambula!