Por DR. Joseph Hanlon, traduzido por Pedro João Pereira Lopes

Análise

Os recentes conflitos entre as tropas da Renamo e o exército do governo moçambicano, principalmente o ataque, na segunda-feira [21], ao centro de comando de Afonso Dhlakama, em Santungira, precisam ser analisados num contexto mais profundo da história após-guerra.

Dhlakama falhou em converter o anterior movimento de guerrilha em um partido político efectivo, e 21 anos depois do acordo de paz, a Renamo não é mais uma força política séria. Presumivelmente o maior problema de Dhlakama foi a sua preocupação em impedir o surgimento de qualquer um que pudesse desafiar a sua liderança. Colaboradores políticos efectivos como Raúl Domingos e Daviz Simango foram forçados a deixar a Renamo. Enquanto isso, Dhlakama manteve um controlo detalhado sobre as figuras-chave, ao ponto de assistir as sessões do parlamento pela televisão e telefonar ao Chefe da Bancada Parlamentar da Renamo para dar instruções.

Consequentemente não houve nenhuma renovação na liderança de Renamo, enquanto o partido da oposição Movimento Democrático de Moçambique (MDM) é composto por algumas das pessoas mais competentes que abandonaram a Renamo. A Frelimo, diferentemente, construiu uma máquina de partido efectivo semelhante aos partidos europeus, e a liderança do nível médio tem autonomia significativa para trabalhar dentro de directrizes estabelecidas pela liderança do topo. E há renovação, com mudanças no topo do partido.

As primeiras duas assembleias multipartidárias dos finais de 1990 são instrutivas. Armando Guebuza, como o Chefe da Bancada Parlamentar da Frelimo, converteu a “Frelimo Parlamentar” em oposição da “Frelimo governo”, sob direçcão do Presidente Joaquim Chissano. Mas a Renamo nunca usou o parlamento, mesmo com uma televisão largamente assistida e cobertura de rádio, como uma plataforma para avançar como uma oposição com ideias e políticas alternativas.

Por último, Dhlakama tem provado ser um negociador precoce, fazendo no máximo contestações e usando o boicote como sua estratégia principal. Dhlakama recusou, em 2000, uma oferta para tomar parte na designação dos governadores, o que teria aumentado significativamente o seu estatuto político; Dhlakama rejeitou, exigindo mais, e no fim recebeu nada. Semelhantemente, na revisão da lei eleitoral, o líder constantemente fica de fora como oposição maioritária na comissão de eleições, perdendo assim oportunidades para fazer mudanças na lei eleitoral que poderiam ter sido para o benefício da Renamo.

Fraqueza

Com mais de 2 milhões de votos em 1999, o apoio a Dhlakama caiu para 650.000 uma década depois. Ele retirou-se primeiro para Nampula e então para Santungira, na mata perto de Gorongosa, e tornou-se quase invisível. A Renamo não tem nenhum presidente municipal e não controla nenhum município; Dhlakama anunciou que boicotaria as eleições locais de 2013 e as eleições gerais de 2014. Esta acção removerá todo o poder político da Renamo, assim como também reduzirá uma fonte fundamental de renda e trabalho.

Enquanto isso, os velhos líderes da milícia da Renamo assistiam a liderança de Frelimo ficando mais próspera, e começaram a contestar que eles não tinham ganhado nada em se terem mantido leais a Dhlakama. Para mostrar que a Renamo ainda precisa ser levada a sério, os guerrilheiros atacaram este ano a EN1, postos policiais e depósito de armas. Dhlakama é um bom táctico, e vários dos ataques foram bem planeados e efectivos. Mas ele é um péssimo estratega, porque não há nenhuma visão clara do que ele espera alcançar, com excepção de uma lista impossível de demandas maximalistas.

Nenhum dos lados é militarmente forte. Nos anos 80 a Renamo teve o apoio do regime do apartheid da África do Sul, e seus combatentes eram jovens e treinados. Agora os seus velhos guerrilheiros podem empregar as suas experiências para fazer ataques individuais, mas não tem capacidade para iniciar uma guerra. E o governo de Frelimo optou por um exército pequeno e fraco, controlar as despesas mas também prevenir golpes militares. O exército sofreu algumas baixas em confrontações com a Renamo, mas conseguiu cercar Santungira e movimentar armas pesadas. Porém ambos os lados estão a evitar batalhas grandes. Por exemplo, na segunda-feira [21] em Santungira, o governo mostrou novamente que sua a táctica é advertir a Renamo, que iria tomar a base, permitindo que a Renamo se retirasse antes que o exército entrasse na base sem lutar.

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Dinheiro 

Aldo Ajello, representante especial da NU em Moçambique entre 1993-4, depois do acordo de paz, sempre sublinhou que a Renamo estava mais interessada em dinheiro do que no poder, daí que eles foram atribuídos casas grandes em Maputo e permitidos a fazer elevados gastos em contas de hotéis luxuosos. E a actual disputa tem o dinheiro como a sua base. A Renamo e os seus militares vêem a liderança da Frelimo nos seus grandes carros, casas caras e negócios. As desigualdades entre ricos e pobres aumentam de tal modo que isso não pôde ser imaginado na altura do acordo de paz em 1992, e as principais figuras da Renamo querem estar no lado dos ricos.

Seria fácil conceder sinecuras à Renamo nos quadros administrativos das empresas estatais e acções nos novos negócios mineiros; à companhia de segurança privada da Renamo poder-se-ia oferecer contratos para vigiar propriedades estatais sem importância. Talvez carros e casas poderiam ser disponibilizados. Com a Renamo tornando-se marginal, a sua liderança poderia retirar-se numa reforma confortável. Infelizmente a Frelimo é vista como pouco disposta a compartilhar o bolo crescente; até mesmo dentro da Frelimo, alguns acreditam que a Renamo precisa de dinheiro.

Em comícios recentes, a administração de Guebuza seguiu uma linha muito dura e burocrática relativamente a Renamo. Dhlakama sensivelmente sugeriu facilitadores para as negociações que poderiam dar mais flexibilidade aos diálogos, e que poderiam solver alguns dos assuntos financeiros negociados até mesmo se duros assuntos políticos não fossem. Mas o governo recusou-se resolutamente. Guebuza parece pouco disposto a dar a Dhlakama qualquer coisa que “preserve a cara limpa”.

Muitos dos assuntos apresentados pela Renamo são reais, inclusive a partidarização do aparato estatal e um sistema eleitoral que dá vantagens a Frelimo. Em parte por causa da estratégia de negociação maximalista, o fracasso de fazer um uso efectivo dos “mass media”, e a retirada de Dhlakama da vida pública, a Renamo falhou em capitalizar politicamente esses assuntos, ou promover respostas plausíveis.

O futuro? 

Assim a Renamo recuou para o mato, boicotou as eleições e retirou-se da actividade política, e está reduzida a pequenos ataques em postos policiais e carros na província de Sofala. E o governo tem que responder, porque nenhum governo pode permitir que um partido da oposição leve a cabo acções armadas. A Renamo parece ter poucas opções – o seu boicote eleitoral significa que não tem nenhuma preparação no terreno para uma campanha, até mesmo se decidisse terminar o boicote, isto significa que o MDM se tornará o principal partido político da oposição.

Poderá a Renamo ser convencida a aceitar uma grande quantia de dinheiro e algumas concessões simbólicas, como assentos extra na Comissão Nacional de Eleições? Poderá a Frelimo ser convencida a fazer tal oferta? Provavelmente não, nenhum dos lados. Quais são os motivos para mais meses do “status quo”, de ataques militares esporádicos e negociações insensatas? Provavelmente uma solução a longo prazo passe pelo uso de mediadores independentes e conversas de bastidores para tentar achar algo que Frelimo estaria disposta a oferecer e a Renamo a aceitar. Conversas entre os militares de ambos os lados também poderiam conduzir a um acordo, evitando amplamente Guebuza e Dhlakama. Mas isso não acontecerá logo.

Conflitos não são um retorno a guerra. A maioria das guerras civis não terminam ordenadamente, há contínuos incidentes militares, e parece que Moçambique não é diferente, embora haja um intervalo de 20 anos. Os ataques pequenos continuarão […].

Até mesmo com estes incidentes, Moçambique permanece muito menos violento que a África do Sul. Assim a confrontação em andamento parece improvável de enfraquecer o interesse empresarial em Moçambique.

Dhlakama confinou-se num canto do qual não há nenhum escape óbvio, e Guebuza não está oferecendo uma saída. E ambos têm, agora, muito orgulho investido. Assim sendo, tudo continuará na mesma até que alguém ou algum grupo ache um modo de negociar uma solução sem que envolver os grandes homens, mas que resguarde a face de ambos.



[i] Título da autoria do tradutor. Publicado originalmente em inglês com o título “Mozambique: History Matters in Mozambique”, no dia 23 de Outubro de 2013, no sítio allafrica.com