O ano de 2016 lançou bons livros e péssimos livros, lançou novos escritores e trouxe muitas outras notícias consigo: o “Debate”, o único jornal cultural do país, faliu; mais escritores moçambicanos foram publicados no Brasil; o Armindo Mathe arrecadou 2 prémios no TDM-Revelação, etc. Diferente da lista de 2015, este “top” não resultou, por vários motivos, de uma enquete. Ficaram de fora, o que me partiu o coração, os livros “Água”, de João Paulo Borges Coelho e “Corpo de Cleópatra”, de Adelino Timóteo.
1. AEMO, Charrua, Revista Literária: Edição comemorativa dos 30 anos (Alcance Editores)
Talvez um dos livros mais emblemáticos dos últimos 10 anos. Coordenada pelo escritor Jorge de Oliveira, a obra apresenta, nas suas várias páginas (uma confusão gigante, a paginação), as 8 edições da então “ousada” revista literária Charrua, que viu a luz entre Junho de 1984 e Dezembro de 1986. O livro, cartaz de apresentação de escritores como Eduardo White, Juvenal Bucuane, Ungulani Ba Ka Khosa, entre outros, é aconselhável e de leitura inevitável.
2. Marcelo Panguana, O Vagabundo da Pátria (Alcance Editores)
Um dos poucos romances deste ano, “O Vagabundo” é uma obra de perspectiva temporal polissémica que, com profusão, explora a experiência deste dormente e versátil génio, ou “O Vagabundo da Escrita”, como prefere chamá-lo Ungulani Ba Ka Khosa. Talvez o esquecimento seja o principal mote deste livro, talvez, ou, se calhar, a eterna preocupação da “Construção da Nação”, este projecto pós-independência abruptamente revezado pela instituição do neoliberalismo. Aliás, este “O Vagabundo” é um livro introspectivo, interventivo, cheio de “(novas) estratégias narrativas”, como disse Ungulani.
3. Hélder Faife, Pandza (Alcance Editores)
Nas prateleiras desde finais de 2013, “Pandza” só foi apresentado ao público 3 anos depois. O autor, que ainda não se definiu, já publicou contos, poesia, infanto-juvenil (“As armadilhas da floresta”) e, desta vez, crónicas. “Pandza” reúne textos publicados no jornal “@verdade”, crónicas que roçam o conto curto e/ou o croniconto, engenhosamente construídas e repletas de um humor negro. Discípulo indeclinável de Areosa Pena, Faife provoca com subtileza e faz-nos crer que, afinal, “morder e assoprar” quase sempre funciona.
4. Mia Couto, A Espada e a Azagaia (FFLC)
“A Espada e a Azagaia” (464 páginas), o segundo livro da trilogia “As areias do Imperador”, teve 4 estrelas e meia (de 5) no Goodreads, indicando geralmente uma apreciação positiva. O livro narra a história das últimas batalhas travadas no Império de Gaza, opondo os conquistadores portugueses e o Imperador Gungunhane. Os protagonistas, a Imani e o sargento Germano de Melo, ainda vivem o “tal amor em tempos de ódio”. Com vozes alternadas, o texto apresenta duas perspectivas da História, uma na voz dos colonizadores e outra na dos colonizados. Esta parte termina com a rendição do “Leão de Gaza” e a sua prisão. Pintado de realismo mágico, o livro é um mimo para os admiradores do Mia.
5. Almiro Lobo, O berlinde com Eusébio lá dentro (Alcance Editores)
Este livro de crónicas do académico Almiro Lobo foi destaque nos mass media graças ao reboliço causado pelo Benfica de Portugal, que acusava o autor de usar, de forma indevida e não permitida, a marca “Eusébio”. Com 64 páginas e 14 textos, o livro insinua-se como um livro de vivências, de memórias, mas logo o autor toca nas actuais úlceras do país, a pobreza, a guerra, a cidadania. Fica-se sempre com a dúvida: crónicas ou pequenos ensaios?
6. Teresa Noronha, A viagem de Luna (Alcance Editores)
“Ancorada no Oceano e envolta numa bruma cerrada está a Ilha”. É assim que começa a belíssima aventura da Luna – em busca de si mesma e dos seus. Editora há quase duas décadas, Noronha estreia-se em grande: “Luna” é o (único) livro vencedor do 1º “Concurso Literário Alcance Editores”. Com alegres ilustrações de Ruth Banon (que também ilustrou “O coração apaixonado do embondeiro”, de Rafo Díaz), o livro é um convite romanesco ao imprevisível. Embora seja dedicado aos mais pequenos, “A viagem de Luna” é um livro para todas as idades.
7. Álvaro Fausto Taruma, Para uma cartografia da noite (Literatas)
Livro primeiro. Livro distinto, este do Álvaro Fausto Taruma. Argucioso, excelente escultor de frases, Taruma impôs-se. Ao “Cartografia”, António Cabrita chamou-lhe de “o melhor primeiro livro de poesia de um autor moçambicano desde o distante Monção, de Luís Carlos Patraquim”. Poeta insular, o livro apresenta 43 textos distribuídos em 5 partes. Quase sempre prosa-poética, às vezes um outro estilo entre a crónica e outra coisa qualquer. Luís Cezerilo chamou-lhe de “discípulo e continuador de Eduardo White”, daí o seu estilo cândido e autêntico de escrever. “Cartografia” é o melhor livro de um novo escritor e um dos melhores livros de 2016.
8. Severino Elias Ngoenha, A (im)possibilidade do momento moçambicano: notas estéticas (Alcance Editores)
Ngoenha, filósofo, é um dos mais originais e profícuos académicos do país. Diferente de “O retorno do bom selvagem” e “Machel: Ícone da 1ª República?”, este fabuloso livro de ensaios não procura fundar nem fundamentar nada, mas esboçar teias para outras discussões, outras interpretações (estéticas?) para o actual momento moçambicano – de “debate político sem ideias políticas”. Multidisciplinar, como o é a filosofia, pode-se ler, neste curiosíssimo livro, um ensaio sobre a também autora Lília Momplé (“Os olhos da cobra verde”).
9. Celso C. Cossa, O Gil e a bola gira e outros poemas para brincar (EPM-Celp)
“O Gil” é um personagem que vai saltando de poema para poema, marcando golos ou pilotando uma nave. O maior desejo do Cossa é que, com este livro (e outros, já agora), a criança possa brincar, brincar com a poesia. No fim, a questão: está-se perante a uma proposta de mudança de paradigma ou um apelo? Um livro de poesia inteligente e ilustrações fabulosas (da autoria de Luís Cardoso – “Leona, a filha do silêncio” e “O gato e o escuro”). Publicado primeiramente em 2015 (“Sete estórias sobre a origem de quem come quem” – AEMO), Cossa possui um prémio nacional (PAWA, 2015, anteriormente vencido por Angelina Neves) e três menções honrosas.
10. Hirondina Joshua, Os Ângulos da casa (FFLC)
“Hirondina é a próxima Noémia de Sousa”, é o que se diz por aí. Talvez, mas a Joshua, como diz Mia Couto no prefácio do livro, “encontrou a sua própria voz”. Largamente antologiada, este seu primeiro livro, de 35 poemas (introduzido por um longo “Os ângulos da casa”), é mesmo uma casa, uma casa assombrada, por assim dizer: “O corredor./ Haverá dentro dele uma grande corrida?” Poesia de frases certas, de coisas, de objectos, de conceitos e ideias, Hirondina Joshua acha-se deusa ou é, também, uma humana “na idiotice divina”. Um belo livro, um excelente livro de estreia.
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