No alvorecer dos tempos, conforme narrado pela venerável tradição dos Dogons, uma tribo enraizada nas profundezas da África Ocidental, existia um Deus único, o arquiteto primordial de todo o universo. Este ser supremo, em um ato de pura inovação, deu forma ao Sol e à Lua, concebendo-os como cântaros celestes, recipientes da luz e da escuridão. O Sol, em sua radiante majestade, foi adornado com oito anéis cintilantes de cobre vermelho, simbolizando a sua ardente vitalidade. Paralelamente, a Lua, espelho noturno da Terra, foi circundada por anéis de cobre branco, ecoando a sua serena luminosidade.
O firmamento foi salpicado de estrelas, geradas a partir de pedras celestiais que o Criador habilmente lançou para o cosmos, espalhando-as como sementes de luz sobre o vasto manto da noite. A criação da Terra foi concebida através de um gesto divino similar: um punhado de barro, essência primordial, foi comprimido nas mãos do Criador e, com um movimento decisivo, atirado ao espaço. Lá, esse pedaço de barro se expandiu e achatou, formando o disco terrestre, com o Norte posicionado soberanamente no topo, e suas demais regiões estendendo-se em harmonia, reminiscente da postura de um ser humano repousando de costas, voltado para o infinito.
Este mito, revelado por Ogotemmêli, um ancião cego dotado de profunda sabedoria, foi escolhido pelos Dogons para compartilhar com visitantes europeus os intricados véus da sua cosmogonia. Registrado por Geoffrey Parrinder em suas explorações sobre as mitologias africanas, o relato oferece uma janela para a rica tapeçaria de crenças e narrativas que moldam a visão de mundo dos Dogons.
Análise no Contexto Africano
O mito da criação Dogon, além de sua intrínseca beleza poética, reflete aspectos fundamentais da cosmovisão africana. O uso de elementos naturais — como o barro, o cobre, e as pedras — na narração da origem do mundo e dos corpos celestes, ressalta a conexão intrínseca entre o homem africano e o ambiente natural que o circunda. Esses elementos não são apenas materiais físicos, mas símbolos carregados de significado espiritual e cultural.
A concepção de um universo ordenado e simétrico, com o Sol e a Lua como guardiões celestes e a Terra como o palco da existência humana, ilustra a busca dos Dogons por entender e harmonizar-se com as leis que regem o cosmos. A figura de Ogotemmêli, um ancião cego, destaca o valor atribuído à sabedoria ancestral e à transmissão oral do conhecimento, aspectos centrais nas sociedades africanas tradicionais.
Este mito, portanto, não é meramente uma história de origem, mas uma afirmação da identidade Dogon e de sua profunda relação com o cosmos. Ele simboliza a continuidade entre o passado mítico e o presente vivido, entre o céu e a terra, entre o espiritual e o material, tecendo a complexidade da experiência humana numa narrativa coesa e significativa.
Em última análise, o mito da criação Dogon nos convida a refletir sobre a riqueza e a diversidade das tradições orais africanas, que continuam a oferecer insights valiosos sobre a relação entre o homem, a natureza e o divino, enriquecendo nosso entendimento compartilhado da condição humana.