Texto por Ozias Tungwarara, traduzido por Pedro João Pereira Lopes

A RENAMO anunciou, na semana passada, que desacreditava os Acordos de Paz de Roma de 1992, que pôs fim a uma guerra civil brutal de 16 anos, que matou um milhão de pessoas. A decisão surge depois de o exército moçambicano ter atacado a base da tropa da RENAMO em Santungira, na província central de Sofala, e ter enviado Alfonso Dhlakama, o líder da RENAMO, às montanhas da Gorongosa. A questão que preocupa os moçambicanos e a região austral de África é se o colapso dos acordos de paz constituem uma séria ameaça à paz e segurança de Moçambique e da região, ou se o acordo, na realidade, não mais vale o pedaço de papel no qual foi escrito.

Em abril escrevi sobre o reatamento de violência da RENAMO, manifestando uma preocupação sobre o domínio de um único partido político, a FRELIMO, que constitui uma ameaça grave à democracia e governação responsável. A minha preocupação estava baseada nos resultados de 2009 dos relatórios da OSISA – Iniciativa da Sociedade Aberta para a África Austral/AfriMAP, sobre a democracia e participação política em Moçambique. O relatório do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP) do mesmo ano constatou alegações de práticas de discriminação administrativa pela FRELIMO, que faz com que seja “caro” para os indivíduos identificarem-se abertamente com qualquer outro partido diferente do partido no poder. Concluí que os campos de jogo político desiguais poderiam encorajar a violência.

Grupo armado da Renamo

Em resposta à minha preocupação, um colega fez-me lembrar de um provérbio da África Ocidental que diz “Alimentar-se de vômito não é maneira de alcançar uma vida saudável”, e perguntou se, na realidade, Dlhakama não estaria comendo o seu próprio vômito. As suas observações sugerem as perspectivas de Joseph Hanlon sobre os recentes desenvolvimentos. Hanlon, um perito sobre Moçambique, acredita que Dhlakama falhou na conversão do anterior movimento de guerrilha num partido político efectivo devido ao seu estilo de liderança ditactorial e pobres habilidades de negociação – perdendo assim uma oportunidade de ouro de ser uma parte importante da transição democrática de Moçambique. Durante anos, Dhlakama pôs de parte as pessoas competentes da RENAMO, que agora fazem parte do Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Hanlon concluiu que a RENAMO sepultou-se num canto.

Entretanto, os consensos até agora são de que a RENAMO não tem nenhuma capacidade para empreender e sustentar uma nova guerra civil. Hanlon vai mais adiante e menciona que a África do Sul tem níveis mais altos de violência que Moçambique, daí que os ataques esporádicos perpetrados pela RENAMO são improváveis de diminuir o apetite dos investidores sobre o carvão e o gás de Moçambique. Isto pode ser verdade, assim como também pode ser verdade que a rebelião ficará descontrolada como temos visto em muitas partes do continente.

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Vários factores poderiam contribuir para que um bando ralé descarregasse destruição, como vimos na RDC, Uganda, Serra Leoa, Nigéria e outros lugares. Estes factores incluem um território vasto cujo terreno é conducente à guerra de guerrilha; fronteiras porosas; proliferação de armas pequenas; distribuição desigual dos benefícios dos recursos naturais nacionais; e um exército nacional fraco.

Recentemente, durante uma conversa com um acadêmico da Universidade Eduardo Mondlane, disse-me ele que apesar da vontade aparente da FRELIMO em negociar, a estratégia é matar Dhlakama da mesma maneira que Angola eliminou Savimbi da UNITA. A verdade é que não é certo se remover Dhlakama da equação solucionará ou não o “assunto RENAMO”. Dhlakama também poderia permanecer tão inapreensível quanto Josph Kony do Exército de Resistência de Deus.

Que nem a RENAMO e nem Dhlakama são politicamente santos, disso não há nenhuma dúvida, dado o companheirismo passado de ambos com a Rodésia racista de Smith e o Apartheid da África do Sul. Porém, o facto que permanece é que a FRELIMO e a RENAMO assinaram um pacto de paz em 1992, que devolveu o país do abismo. O dividendo da paz tem sido um factor-chave no progresso econômico e social de Moçambique. Espera-se que a economia de Moçambique cresça 7% este ano.

Enquanto os fracassos eleitorais espectaculares da RENAMO não podem ser atribuídos somente a um campo desigual do jogo político, a FRELIMO deveria empreender reformas que promovam a inclusão em processos políticos. A SADC e a UA têm a responsabilidade de continuar a exigir que Moçambique solucione as lacunas governativas de que o MARP e outros estudos identificaram para mitigar o potencial de violência por parte da moribunda RENAMO.

Isto é especialmente importante porque decorrerão em Moçambique, no ano que vem, eleições legislativas e presidenciais.


[i] Texto originalmente publicado em inglês com o título “Is RENAMO eating its own vomit?”, no dia 25 de Outubro de 2013. Disponível em http://www.osisa.org/hrdb/blog/renamo-eating-its-own-vomit.

Pedro Pereira Lopes é escritor, docente universitário e pesquisador. Fez rádio, música e criou os blogs "Kumbukilah" (2009), "cadernos de haidian" (2012), "Entre Aspas Escritor (2013), entre outros. Editou a web-revista de literatura jovem “Lidilisha” e assina a coluna "Vão homens ao meu lado distraídos", no jornal "Debate". Tem formação superior em Administração e Políticas Públicas.

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