Texto de Barry Sautman[ii] e Yan Hairong[iii]

Tradução de Pedro João Pereira Lopes[iv]

Qual é a contribuição das empresas chinesas para a geração de emprego local? O conteúdo mais generalizado e persistente, denunciado pelos discursos ocidentais, sobre as relações China-África, indica que as empresas chinesas “trazem os seus próprios” trabalhadores, e não contratam locais. Os líderes políticos dos EUA defenderam este ponto de vista, com particular destaque, na Cimeira EUA-África, em 2014. O Presidente Obama sugeriu aos líderes africanos que se “certificassem se, de facto, a China está a construir estradas e pontes, primeiramente, e se está a empregar trabalhadores africanos”. O vice-presidente, Joe Biden, “tirando sarro com a cara da China”, disse que “A América está orgulhosa com a forma em que o nosso investimento na África progride, lado a lado com os nossos esforços de empregar e treinar os locais para fomentar o desenvolvimento económico, e não apenas para extrair o que está no solo”. O Secretário de Estado John Kerry perguntou, retoricamente, sobre os construtores chineses em África: “Quantos chineses vêm para fazer o trabalho?”

Para os líderes africanos, as empresas estrangeiras constituem uma necessidade política e de desenvolvimento. Os administradores e engenheiros africanos as vêem como vitais para os seus planos de carreira e para as relações sindicalistas; e as ONGs as vêem como uma chave para a melhoria da gestão das relações de trabalho e uma maior responsabilidade social das empresas. Os políticos ocidentais e os meios de comunicação de massa influenciam as elites africanas para assumirem que as empresas chinesas pouco fazem para os locais, no entanto, nenhum deles apresenta dados sistemáticos sobre o que foi feito e o que é, afinal, necessário para que os empreendimentos chineses em África contratem mão-de-obra local.

Mão-de-obra local, primeiramente, e, acima de tudo, preocupações com o emprego; mas também a escolha de fornecedores e subempreiteiros, adaptação às leis do país anfitrião, alfândegas e mercados, e comunicação e socialização com os naturais. O nosso banco de dados sobre a força de trabalho local mostra que, em média, os naturais são mais do que 4/5 dos funcionários em 400 empresas e projectos chineses, em mais de 40 países africanos. As proporções são, contudo, muito mais baixas para os administradores de topo, e significativamente menor para engenheiros e outros profissionais. Há alguma mudança entre os 55 estados de África, quanto às taxas de contratação local nos empreendimentos e projectos chineses.

As indústrias extractivas, manufatureiras e de construção empregam, na sua maioria, 80% a 95% da mão-de-obra local, embora o ramo da construção apresente exemplos de escassez de competências locais ou limitações políticas do governo anfitrião, para a rápida conclusão do projecto, que geralmente exige que a mão mão-de-obra intensiva chinesa seja importada. A mais baixa taxa de utilização de força de trabalho local regista-se entre as duas grandes empresas de telecomunicações chinesas, a privada Huawei e a empresa estatal (EE) ZTE; ainda assim, apesar da grave escassez de engenheiros e técnicos em muitos estados africanos, essas empresas empregam metade a 2­/3 da força de trabalho local. Não há, geralmente, uma distinção exacta entre as empresas privadas e as empresas estatais chinesas relativamente à utilização da mão-de-obra local: as empresas privadas têm um maior incentivo económico, enquanto as empresas estatais têm incentivos políticos.

Os projectos de construção chineses em Angola e Argélia empregam uma proporção de nacionais abaixo da média (mas ainda maioritária): em Angola devido a inabilitação técnica consequência dos 27 anos de guerra, e em Argélia por causa da migração de trabalhadores qualificados para a Europa. A alta industrialização da África do Sul e do Zimbabwe associado aos níveis de educação resultam na forte utilização da mão-de-obra local pelas empresas chinesas.

Quase todos os administradores chineses [em África] entrevistados para o estudo, reconheceram que as vantagens da mão-de-obra local – uma conta baixa de salários, melhores relações com o governo, e aquisição de conhecimento local – superam inconvenientes tais como a perda das funções de controlo, empregados menos especializados e um ritmo mais lento de trabalho. Muitos administradores procuram seguir a tendência e, recentemente, algumas empresas chinesas, cada uma com milhares de empregados, usam 99% da força de trabalho local, incluindo a Kiluwa Mining Group e a China Africa Agricultural Investment Co., na Tanzânia; as subsidiárias da Sino-Steel na África do Sul e Zimbabwe, Akosombo Textiles em Gana, Beijing Geophysical Prospecting na Nigéria, e Jinchuan na Zâmbia.

O uso mão-de-obra local em empreendimentos chineses já é bem-desenvolvido e, em geral, quanto mais tempo as empresas chinesas ficam em África, mais elas usam trabalhadores locais. Porém, a elite africana pode considerar os números como não suficientes. Seu foco em cargos de administração é uma fonte de aborrecimento, contudo os estereótipos criados pelos meios de comunicação desempenham também um papel importante. É cliché considerar que existem poucos nacionais em empresas chinesas, quando existem muitas outras empresas estrangeiras em África. As empresas ocidentais estão há mais tempo em África, em comparação às suas contrapartes chinesas, o que lhes permite “usufruir” melhor dos recursos e mercados africanos, gerar maiores lucros e pagar altos salários para atrair os talentos africanos. Dados transnacionais indicam que, não obstante a existência actual das empresas chinesas, com alguns anos no continente, as empresas ocidentais não têm, geralmente, taxas elevadas de uso de mão-de-obra local.

Um outro estereótipo é o de que as empresas chinesas não estão dispostas a usar a mão-de-obra local porque elas desejam separar, etnocentricamente, o chinês do africano, ou porque o governo chinês vê a África como uma “lixeira” para trabalho excedente. Chineses com PMEs, porém, são mais propensos a viver entre os africanos e aprender línguas locais do que os expatriados ocidentais. Não faz sentido nenhum, também, imaginar que a China está a exportar o excesso de sua mão-de-obra para África, pois chineses que trabalham para empresas significantes – ao invés de serem empreendedores e terem emigrado por iniciativa própria – constituem somente cerca de dez mil, e entretanto provêm de uma nação de 1,4 bilhão de pessoas.

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Recomendações

Para que as empresas chinesas contribuam ainda mais para o emprego, os actores políticos africanos e os meios de comunicação devem reconhecer que elas compreendem o benefício do uso da mão-de-obra local, aumentando o volume de operações locais e a redução as brechas culturais entre chineses e africanos. Os mitos sobre a presumível não utilização da mão-de-obra local pelas empresas chinesas deve ser abjurada, e aqueles [mitos] propagados para fins políticos, por forças políticas anti-China, devem ser combatidos, para que os africanos possam transitar para questões de emprego baseados na realidade das relações China-África. No entanto, o emprego local pode ser aprofundado, sistematizando colectivamente as obrigações legais dos investidores para recrutarem localmente, por meio de promulgação de normas, quotas ou reservas de emprego e, simultaneamente, a emissão atempada de licenças de trabalho para as posições não-nacionais.

Para que se desenvolva o emprego, através das relações China-África, os governos africanos devem, de igual modo, beneficiar das vantagens que decorrem da sobreposição da política aos negócios, nas operações das empresas estatais chinesas.

Durante a crise financeira mundial de 2008-2009, quando as empresas de mineração estrangeiras não-chinesas começaram a fechar ou a despedir os seus funcionários na Zâmbia, a empresa estatal China Non-ferrous Metal Mining Group (CNMC) accionou a contra-política dos “três nãos”: não à demissão de trabalhadores, não aos cortes no investimento e não ao abandono dos planos de expansão. A companhia comprou uma mina abandonada por uma empresa com sede na Suíça, re-contratou os seus trabalhadores, e empregou mais mil para abrir um novo corpo de minério. O apoio do governo chinês à política da CNMC serviu, de certa forma, para contrariar as afirmações do então partido da oposição, a Frente Patriótica (PF), que sustentava que “os chineses” não contribuíam para o emprego. Depois do partido PF ascender ao poder, em 2011, viria a abandonar a sua postura anti-China. Os governos africanos poderiam trabalhar com o governo chinês, suas empresas estatais, e até mesmo algumas empresas privadas, para propagarem a política dos “três nãos” para o continente.

Os governos africanos podem, ainda, promover o emprego instigando uma maior responsabilidade às empresas chinesas para que aumentem o investimento em mão-de-obra intensiva na indústria e serviços.

As empresas chinesas são as principais colaboradoras para o lançamento das bases para a industrialização de África, através da construção de infraestruturas. O Estado chinês controla os principais aspectos do Investimento Directo Estrangeiro para África, tornando-se, provavelmente, no mais importante actor mundial a encorajar companhias a assumirem os riscos do amplo desenvolvimento da indústria e serviços no continente. Os estados africanos, em conjunto, têm a soberania e o poder político necessário para obrigar o Estado chinês a tomar tais medidas.

Por fim, elevar os padrões da força de trabalho pode favorecer a geração de emprego através da criação de condições propícias à expansão da actividade empresarial.

Algumas fontes sugerem, de forma dúbia, que os empreendimentos chineses são os super-exploradores de África: Obama, em uma observação interpretada como uma alusão à China, disse, “Vocês [africanos] produzem matérias-primas, vendem-nas a preços baixíssimos e, em seguida, ao longo de toda a cadeia, alguém faz dinheiro e cria postos de emprego e valor”. Na verdade, as práticas das firmas chinesas são piores em alguns aspectos e melhores em outros aspectos, comparativamente a generalidade de investidores estrangeiros. Os governos chineses e africanos podem, contudo, influenciar as empresas a adoptarem uma visão de longo prazo e a melhorarem os salários e benefícios, mesmo quando ainda não estiverem a ter lucros. Eles criariam, assim, forças de trabalho mais estáveis ​​e evitariam problemas como os vistos em Sucoma – uma fábrica de açúcar privada, de origem chinesa, que opera em Madagáscar –, que experimentou tumultos generalizados em 2014, em parte porque alguns trabalhadores eram pagos pouco mais de um dólar por dia. A empresa afirma ter criado “10.000 empregos directos em todo Madagáscar, incluindo para 90 cidadãos chineses”. É, portanto, uma dessas empresas com 99% de mão-de-obra local, mas que por si só não satisfaz nem africanos nem chineses.

[i] Artigo traduzido do original “Myth #1: Chinese Companies in Africa only hire Chinese workers”. Aceda em inglês através de: <http://www.reporting-focac.com/myth-1-chinese-workers.html>, último acesso em 20 de outubro de 2015.

[ii] Barry Sautman (Ph.D. pela Universidade de Columbia) é cientista político e advogado na Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. Suas principais áreas de pesquisa são as relações China-África e políticas étnicas na China.

[iii] Yan Hairong (Ph.D. pela Universidade de Washington) é antropóloga da Universidade Politécnica de Hong Kong e autora de New Masters, New Servants: Migration, Development, and Women Workers in China (Duke University Press, 2008). Suas principais áreas de pesquisa incluem as relações China-África e desenvolvimento rural na China.

[iv] Pedro João Pereira Lopes (MPP pela Universidade de Pequim) é escritor, docente universitário e pesquisador. Suas principais áreas de pesquisa envolvem as relações China-África, pobreza, desenvolvimento e distribuição de riqueza.