Nos anais das narrativas africanas, o mito da criação dos Ashanti ocupa um lugar de destaque, tecendo a origem da humanidade com elementos tanto celestiais quanto terrestres. Esta história revela a relação íntima entre os seres humanos, a natureza e o divino, características fundamentais das cosmovisões africanas.
Segundo a tradição Ashanti, no início dos tempos, um homem e uma mulher desceram dos céus, enquanto outro casal emergiu da terra. O “Senhor dos Céus” também enviou uma píton africana, uma serpente não venenosa, que escolheu um rio como sua morada. Naqueles primórdios, homens e mulheres viviam sem procriar; desconheciam o desejo mútuo e o processo de procriação e nascimento.
Foi a píton quem lhes ensinou a gerar vida. Ao perceber que não havia crianças entre eles, a serpente se ofereceu para fazer com que as mulheres concebessem. Instruiu os casais a se posicionarem frente a frente e, mergulhando no rio, emergiu com a boca cheia de água. Com um jato, aspergiu essa água sobre seus ventres, proferindo “Kus, kus” — palavras que, até hoje, ressoam nos rituais clânicos.
Após essa cerimônia, a píton aconselhou que os casais se deitassem juntos. Seguindo as instruções, as mulheres conceberam e deram à luz crianças. Esses filhos e seus descendentes adotaram a píton, o “espírito do rio”, como seu “Espírito Clânico”.
Na cultura Ashanti, matar ou ferir uma píton é tabu. Caso encontrem uma que tenha morrido ou sido morta por outrem, reverenciam-na com argila branca e a sepultam como a um humano, em demonstração de respeito e veneração.
Análise no Contexto Africano
Este mito reflete a profunda reverência dos Ashanti pela natureza e seus seres, vistos não apenas como criaturas do mundo físico, mas como entidades espirituais essenciais para a compreensão da existência humana e dos mistérios da vida. A píton, em particular, simboliza sabedoria, fertilidade e a conexão entre o visível e o invisível, ensinando aos primeiros humanos o segredo da continuidade da vida.
A prática de enterrar as pítons com honras humanas evidencia o respeito pelos animais, considerados guardiões de conhecimentos ancestrais e ligados indissociavelmente ao bem-estar das comunidades. Essa relação simbiótica entre humanos e animais ilustra uma característica marcante das sociedades tradicionais africanas: a percepção de que tudo no universo está interconectado.
O mito da criação Ashanti, portanto, não é apenas uma explicação sobre a origem da humanidade; é uma lição sobre o equilíbrio ecológico, a importância das tradições e rituais, e o reconhecimento do papel dos seres não humanos na teia da vida. Essas histórias são fundamentais para a identidade cultural dos Ashanti e oferecem valiosas perspectivas para o entendimento da sabedoria e da espiritualidade africanas.