Num tempo não datado, nas vastas e vibrantes terras africanas, vivia um homem cujo espírito destemido o diferenciava dos demais. Quando um homem comum se apresentava perante um rei africano, era costume saudá-lo com as palavras: “Que o rei viva para sempre!” Contudo, este homem, audaciosamente, recusava-se a aderir a esta prática obrigatória, substituindo-a pela frase: “Não há rei como Deus.”

Após numerosas visitas ao rei e repetidas declarações dessa frase considerada herética, a paciência do rei se esgotou, e ele urdiu um plano para destruir o homem.

O rei entregou-lhe dois anéis de prata, afirmando serem um presente. No entanto, sua verdadeira intenção era vingar-se por meio deles.

O homem, agora apelidado de “Sem-Rei-como-Deus”, acomodou os anéis dentro de um chifre de carneiro seco e vazio, confiando-o à sua esposa para que o guardasse.

Uma semana mais tarde, o rei convocou Sem-Rei-como-Deus e enviou-o a uma aldeia distante, com a missão de convocar o povo para ajudar na reconstrução das muralhas da cidade.

Assim que partiu, o rei procurou a esposa do homem, oferecendo-lhe mil cowries (pequenas conchas importadas usadas como dinheiro ou ornamentação) e centenas de panos de cabeça e de corpo, em troca do objeto que o marido lhe havia confiado.

Seduzida pelos presentes, a esposa entregou o chifre de carneiro ao rei, que, ao ver os anéis seguros dentro dele, ordenou a seus servos que o lançassem ao fundo de um lago. Assim fizeram, e no momento em que o chifre tocou a água, um grande peixe o engoliu.

No dia em que Sem-Rei-como-Deus retornava para casa, encontrou seu filho e alguns amigos prestes a pescar. Ele juntou-se a eles e acabou capturando aquele grande peixe.

Enquanto o filho limpava o peixe, sua faca atingiu algo duro. Chamando o pai, este retirou o chifre, e ao abri-lo, reencontrou os anéis que o rei lhe havia confiado.

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“Verdadeiramente”, disse ele, “não há rei como Deus.”

Ainda estavam pescando quando um mensageiro real chegou, convocando o homem imediatamente à presença do rei.

Antes de partir, ele questionou sua esposa sobre o objeto precioso que lhe confiara. Ela respondeu que não o encontrara, supondo que um rato o havia comido.

Desapontado com sua mentira, o homem dirigiu-se à corte real.

Os outros conselheiros saudaram o rei com a fórmula tradicional, mas o homem manteve sua posição, dizendo apenas: “Não há rei como Deus.”

O rei, então, pediu silêncio e, aproximando-se do homem, perguntou: “É verdade que não há rei como Deus?” O homem respondeu afirmativamente.

O rei exigiu os anéis que lhe confiara, sinalizando aos guardas que se preparassem para executá-lo.

Mas Sem-Rei-como-Deus, com um gesto tranquilo, retirou o chifre de sob sua roupa e entregou-o ao rei.

Ao abrir o chifre e retirar os anéis de prata, o rei exclamou em total assombro: “De fato, não há rei como Deus!”, e todos os conselheiros aplaudiram em aprovação.

Em um gesto de reconhecimento e admiração, o rei dividiu sua cidade em duas, concedendo metade dela a Sem-Rei-como-Deus para governar.

Este conto ressalta a soberania divina sobre os poderes terrenos, refletindo a profunda espiritualidade e a crença na justiça divina que permeiam muitas culturas africanas. A história de Sem-Rei-como-Deus é um testemunho do respeito pela fé individual e um lembrete de que, no final, a verdade e a justiça prevalecem sobre as maquinações humanas.