Sentados na lareira com o madala, vamos ouvir mais um conto que tem sido passado de geração em geração entre os rongas…

Um belo dia a Gazela veio visitar a Lebre a sua casa. A lebre disse-lhe: “Vamos divertir-nos um pouco.” Perguntou a Gazela: “E como nos divertiremos?” Ao que a lebre respondeu: “Vou-te mostrar.”

Foi buscar uma panela, colocou-a ao lume e a água começou a ferver. Então a lebre disse para a Gazela: “Entra lá dentro.” A Gazela respondeu: “Com certeza, mas entra tu primeiro!”

A Lebre entrou na água que já tinha esfriado. A gazela pôs a tampa na panela mas a água fazia ti-ti-ti (quer, dizer, estava absolutamente fria). A Senhora Lebre sentou-se comodamente e disse: “Agora destapa panela.” A Gazela tirou a tampa e a Lebre saiu e disse: “Agora é a tua vez, entra!”

A Gazela entrou. A Lebre tornou a tapar a panela e acendeu lume por baixo. A água começou a ferver. A infeliz gazela pôs-se a fazer muito barulho, a gritar muito alto. “É que”, disse-lhe a lebre ”quero ficar com os teus chifrezinhos, esses que tens na cabeça!” A Gazela morreu.

A Lebre pegou nos chifrezinhos, pôs-se a lavá-los, a poli-los, a encerá-los com gordura; depois pô-los ao sol. Feito isso foi regalar-se com a carne da gazela. Comeu-a toda, de tal modo que não sobrou nada.

Depois pegou numa esteira, estendeu-a no chão e colocou perto de si a sua provisão de gordura. Continuou a ensebar os chifrezinhos uma vez a outra, depois pôs-se a assoprar lá para dentro e a fazer pfongo- pfongo… pfongo- pfongo… pfongo- pfongo!…

Acorreram todos os animais do mato e perguntaram-lhe:

“Donde vem este som de corneta?”

“De casa dos corneteiros” disse a Lebre “ali em baixo na aldeia do chefe.” Eles precipitaram-se para a aldeia do chefe.

A lebre então começou novamente a tocar: pfongo- pfongo!… pfongo – pfongo!… pfongo – pfongo!…

Os animais regressaram e disseram:

“Então de onde vem este barulho?”

A lebre respondeu novamente:

“É la de baixo, da povoação do chefe. Eu também ouvi.”

Foram todos embora mas disseram ao hipopótamo:

“Tu, amigo, esconde-te ai; depois nas contas o que se passa.”

Ele escondeu-se realmente a lebre começou: pfongo- pfongo!… pfongo- pfongo!… pfongo- pfongo!…

“Ei”! Disse-lhe o hipopótamo “então tu é que andas a enganar os filhos do chefe! Vou-lhes dizer!”

“Não, não me denuncies” disse-lhe a Lebre. “Vou-te ensinar a tocar corneta.” E entregou-lhe os chifrezinhos.

O hipopótamo experimentou e fez; pff! Pff!…

A Lebre disse-lhe:

“ Vem cá que é para eu te tirar o beiço inferior. È comprido demais. Por isso não consegues tocar e cortou-lho.

O outro tornou a experimentar e fez: pff! Pff!…

“É o beiço de cima que é comprido demais” disse a Lebre, e cortou-lho. Então o Hipopótamo zangou-se e disse:

“É assim que tu me estropias todo, fingindo ensinar-me? Vou engolir a tua corneta.” E engoliu-a.

A Lebre disse-lhe:

“Hei-de te encontrar, uma vez que te cortei os beiços e os teus dentes brilham ao sol! Reconhecer-te-ei sem dificuldade!”

O Hipopótamo voltou para casa-

Então a Senhora Lebre foi preparar um arco e flechas. Esperou, esperou, esperou, para atirar sobre o Hipopótamo. A pomba viu-a a disse ao Hipopótamo: “gu! Gu! Olha que a Lebre quer te matar.” O Hipopótamo levantou-se e voltou para a água. A Lebre esperou, esperou, esperou, depois matou a pomba cujas pombas se espalharam pelo chão em todas as direcções. Pegou a ave, queimou-a, cozeu-a, moeu-a, misturou as cinzas com areia e depois esperou, esperou, esperou, aguardando a ocasião de atirar sobre o inimigo.

Nesta altura as penas da pomba gritaram: “Gu! Gu! A Lebre vai-te matar”. E o Hipopótamo voltou ao rio e lançou-se à água. A Lebre pegou nas penas, e, de regresso a casa, queimou-as, moeu-as e misturou-as com a terra. Depois pôs-se outra vez à espreita. Tinha ficado uma única pena e esta gritou: Gu! Gu! A Lebre vai-te matar”. A Lebre procurou esta pena por muito tempo; finalmente encontrou-a, voltou para casa, queimou-a, moeu-a e espalhou as cinzas pelo chão.

Esperou de novo e atirou a flexa sobre o Hipopótamo. Atirou uma segunda flecha e o Hipopótamo morreu.

Então cortou-lhe em bocados; abriu-lhe o corpo e tirou sua corneta que lavou, esfregou, encerou com gordura e expôs ao sol. Pôs a carne a cozer e voltou ao rio para lavar mais uma vez a corneta.

Quando voltou, uma parte da carne estava cozida. Pôs outra o espeto, depois voltou para o rio com a corneta, a faca e o machado.

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Ora eis que chega a Civeta. Comeu a carne e, depois de ter executado certa função da natureza, partiu. A Lebre voltou. Lá de longe tapou o nariz; nem sequer se aproximou do lume pois viu que a carne tinha sido roubada. Percebeu logo pelo cheiro que tinha sido a Civeta que meteu o golpe. Por isso foi directo às árvores ocas habitadas pelas Civetas, das quais era senhora por ter as vencido em tempos na guerra. Eram em grande número, estas árvores ocas. Cumprimentou as Civetas dizendo: “Bom dia senhoras Civetas”.

Elas responderam: “Bom dia meu chefe!”

A Lebre chegou ao tronco da que lhe tinha roubado a carne e disse: “Bom dia, senhora Civeta! Comeste a minha carne! Vamos ajustar as contas”. A outra teve medo e escondeu-se no fundo do seu buraco. A Lebre pegou no machado e começou a cortar a árvore.

Quando o tronco caiu, a lebre arrancou capim e tapou as aberturas dos lados. Depois começou a fazer um buraco no meio, até ao canal interior. Deitou fogo à erva de ambos os lados; a árvore começou a arder. “Ndza fooh!” (estou a morrer), gritava a Civeta. A Lebre espera por ela, de machado no ar, na abertura do meio. Quando a Civeta quis sair a Lebre matou-a.

Depois disse para as outras Civetas: “Arranjem-me esta pele””. Elas obedeceram e deram-lha. Elas próprias comeram a carne da sua irmã.

A Lebre pegou na pele, na corneta, na faca e no machado. Caminhou durante muito tempo até chegar a um lugar onde havia muita gente. Disse-lhes: “Comprem a minha carne de Civeta”. Eles responderam: “Está bem” e ofereceram-lhe duas cabras. Ela concordou com a troca e foi dali beber cerveja. Bebeu muita, muita, o ponto de se embriagar. Então matou uma das cabras e comeu-a e depois matou outra e comeu-a também.

Passou-se muito tempo. Nessa altura a lebre decidiu começar a roubar.

Pegou na corneta, subiu a uma colina e gritou: “Ntê! Ntê! Ntê! O Exército vem aí…í…í…í! Fujam!” Imediatamente as mulheres que colhiam amendoim e feijões no campo fugiram, receando os guerreiros inimigos. Foram esconder-se no fundo do machongo. A Lebre desceu e roubou os amendoins e feijões. Arranjou mesmo uma reserva que guardou à parte.

Depois de comer tornou a gritar “Ntê! Ntê! Ntê! O Exército vem aí…í…í…í! Fujam!”. A Lebre tirou o que quis e fez nova provisão.

Então as pessoas começaram dizer: “A Lebre está-nos a enganar. Vamos buscar phati (goma preta)” Arranjaram muita, uma grande quantidade, depois dirigiram-se para o campo e fizeram uma boneca com mãos, pés, nariz, orelhas, olhos, cabelos, um manequim de mulher.

A Lebre recomeçou a gritar: “Ntê! Ntê! Ntê! O Exército vem aí…í…í…í! Fujam!” Elas fugiram. Aparece a Lebre. A figura de mulher tinha ficado. Quando a Lebre se aproximou gritou-lhe: “Sai daí mulher!” A mulher ficou calada e imóvel. A Lebre disse: “Sai daí senão bato-te!” Aproximou-se e deu-lhe um soco. O punho penetrou profundamente na goma e ficou preso. “Larga-me ou mato-te!” Gritou a Lebre. Depois bateu-lhe com outro punho que ficou também preso. Bateu com a perna, prendeu-se á goma… Bateu a outra, a mesma coisa! Então gritou; Morder-te-ei com os dentes!” Também por aí ficou presa e permaneceu suspensa no manequim, balouçando de um lado para o outro…

Nessa altura apareceram as mulheres que tinham feito a imagem e encontraram a Lebre naquela posição! Dizem-lhe: “Ah! Eras tu, Senhora Lebre, que nos enganavas!” “Libertem-me” respondeu ela. Amarraram-na dizendo: “Vamos-te matar.” “Oiçam, disse ela, não me matem aqui, em cima da terra. Matem-me nas costas do chefe.” Voltaram para a aldeia e puseram uma esteira no chão. O chefe deitou-se e a Lebre deitou-se sobre o seu dorso.

Um guerreiro muito forte pegou na azagaia e quis trespassar a Lebre. Mas esta deu um salto para o ar, para bem longe e escapou-se. E deste modo o guerreiro matou o chefe! E assim os membros da aldeia liquidaram aquele que tinha morto o chefe!

Desse modo termina o conto ronga contado por um madala em volta da fogueira, com a promessa de um segundo ciclo do romance da Lebre, que eu farei questão de trazer na próxima semana.

Até lá!