Por Pedro Pereira Lopes
Embora tenham sido lançados, maioritariamente prosa e poesia, os livros de ensaios marcaram o ano de 2015. O portal MMO perguntou a escritores, críticos e promotores literários quais eram os melhores livros do ano que finda. Cada entrevistado, 15 no total, alistou 5 obras, em ordem de preferência. A lista final, bastante diversificada, surpreende pela posição ocupada pela obra do estreante Padre Manuel Ferreira.
1 Debaixo do Silêncio que Arde, de Mbate Pedro
Seis anos depois de ter publicado Minarete de medos e outros poemas, Mbate Pedro afirma-se, como poeta, neste seu terceiro livro. Mbate, um “autor com uma voz própria e que sabe expandir os seus recursos, limites e qualidades”, segundo o crítico António Cabrita, presenteia o leitor com uma poesia consciente, de uma sensação memorável, muitas vezes além do intelectual, emocional; onde o amor, as divindades, a própria poesia e a sociedade e os seus males são utopias que se querem reais. Um livro de “poesia de síntese, sumo extraído pela máquina dos anos”, Debaixo do Silêncio que Arde não é somente finalista do prémio literário Glória de Sant’Anna, é, por si só, um livro vencedor, e deve ser por isso que, para António Cabrita, Mbate Pedro é o melhor poeta da sua geração.
2 Um Presente do Futuro: Os Jovens da Literatura Moçambicana por Volta de 2015, do Padre Manuel Ferreira
Activista literário-cultural, o Padre Manuel Ferreira tem vindo, há já alguns anos, a colaborar na produção da boa literatura. “Um Presente do Futuro”, sua estreia literária, foi escrito para quem duvida “do futuro da literatura moçambicana” e pede, ao mesmo tempo, um voto de confiança aos “jovens audaciosos e amigos das letras”. O livro é, assim, fruto de diversas anotações e críticas feitas aos livros dos chamados “jovens escritores”, Alex Dau, Clássica, Dany Wambire, Hélder Faife, Benjamim Tomás, Deusa d’África, Japone Arijuane, só para citar alguns. A obra, dividida em três momentos, apresenta críticas, identifica momentos brilhantes e maus dos textos e faz sugestões para as próximas edições e, por último, apresenta breves conversas com os autores. Editado pela Oleba Editores, o livro vale pela sua ousadia e frontalidade.
3 Antologia Inédita: Outras Vozes de Moçambique, de Lucílio Manjate & Sangare Okapi
Volvidos doze anos, Lucílio Manjate e Sangare Okapi pretendem, com este livro, provar que a literatura moçambicana, afinal, não morreu, negando as teses das diversas vozes que se levantaram em 2003. Para Reinaldo Luís, a antologia “segue uma trama intrincada, de explicações e revelações, dos que, por algumas razões, são esquecidos”, ou seja, segundo os dizeres de Albino Macuácua, o livro, que exala uma “postura reivindicatória”, defende a “ideia de haver uma necessidade de se começar a valorizar a poesia feita por estas outras vozes”. Aprovado pela crítica, o livro oferece 14 poetas moçambicanos – nascidos entre 1970 e 1981 – representativos da nova geração de escritores moçambicanos, nomeadamente: Adelino Timóteo, Amin Nordine, Andes Chivengue, Celso Manguana, Chagas Levene, Dome Chirongo, Guita Júnior, Hélder Faife, Leo Cote, Manecas Cândido, Mbate Pedro, Tânia Tomé, Rui Ligeiro e Sangare Okapi.
4 Antropologia Espiritual – Há mais vida para além desta vida, de Calane da Silva
Conhecido pelos famosos livros Xicandarinha na Lenha do Mundo e Dos meninos da Malanga, Calane da Silva, prosador, poeta e ensaísta, aventura-se, pela primeira vez, pelo cosmos espiritual. Será que o escritor, já com setenta anos, pretende desviar-se de sua temática de escrita, assim como o fez Paulina Chiziane? Talvez sim, talvez não. Neste “Há mais vida para além desta vida”, Calane da Silva, além de trazer matérias de dimensão espiritual, aborda relações interpessoais e exalta o amor. Para quem gosta do autor ou quer saber mais sobre o homem, que é corpo e espírito, este livro é o mais indicado.
5 Pneus em Chama, de Jorge de Oliveira
Um romance “único, intenso e enlutado, que deixa cair o pedregulho sobre o charco de desigualdade e injustiça social” é como o website da TVM descreve a estreia literária de Jorge de Oliveira. As 166 páginas do romance retratam, em um dia, o que se passa numa cidade cercada por uma personagem, um pneu em chamas. O livro fala sobre as ambições, aspirações e reclamações das pessoas e, sobretudo, do chamado “capitalismo selvagem”. Oliveira escreve de forma límpida e acessível, porém faz discursos fortes e usa, às vezes, uma linguagem bruta, um dos elementos do chamado “Realismo Sujo”, semelhantemente a Charles Bukowski.
6 Mulheres de cinzas, de Mia Couto
Mia Couto, Prémio Camões em 2013, é um escritor que dispensa apresentações. Mulheres de cinzas é o primeiro livro da trilogia As areias do Imperador, que é dedicada aos últimos dias do Império de Gaza, Gungunhane. Neste novo livro, Mia Couto dispensa a invenção e os jogos de palavras, e apresenta um romance histórico escrito para o mundo, de África para o mundo. Mulheres de cinzas conta a história de Imani, uma adolescente de 15 anos, da etnia dos vaChopi. Imani, por saber expressar-se em português, passa a servir de intérprete a Germano de Melo, um sargento enviado a Nkokolani, para a batalha contra Gungunhane, que ameaçava o domínio colonial. Nataniel Ngomani chamou o livro de “completo”, reconhecendo a excelência narrativa e a exaustiva pesquisa histórica, assim como acontece nas obras Ualalapi, de Ungulani Ba Ka Khosa, e O olho de Hertzog, de João Paulo Borges Coelho.
7 Ensaio sobre a Mentira e Inveja & Outras Coisas, de Filimone Meigos
“A mentira ocorre nas relações sociais diárias. Ela pode ocorrer na dimensão do senso comum, da religião, da filosofia, da arte ou mesmo da ciência…” É assim como inicia este curioso livro de ensaios e, como o título do livro adianta, “outras coisas”. Conhecido pelos seus livros de poesia Poema e Kalash in Love e Mozambique meu corpus quantum, de 2009, que reúne três livros do autor, Meigos, sociólogo de profissão, aventura-se, de forma espontânea e divertida, a discorrer academicamente sobre assuntos do quotidiano moçambicano: preconceitos, rótulos, senso comum, entre velhos e novos conceitos, como a “sociologia do rumor”. São, afinal, vários assuntos tratados com boa disposição e que, mesmo interpretados sob uma perspectiva escolástica, deverão agradar a todos.
8 O Fundo Pardo das Coisas, de Juvenal Bucuane
Neste novo volume de poemas, o autor de Requiem com os olhos secos – livro dedicado, sobretudo, à memória de Samora Machel – reúne uma síntese de seus registos poéticos desde que se iniciou na arte. Não é, ainda, uma obra completa ou poesia total; é antes um balanço, uma revisitação que se dirige ao futuro, como diz o autor: “é uma mostra da versatilidade da minha escrita ao longo da minha carreira literária”. Como Limbo Verde, este “Fundo Pardo” é, também, um livro de esperança, e o desejo é que, no futuro, “os sentimentos, os acontecimentos, as percepções, os lugares, os tempos, as gentes, as lembranças e os sonhos” deixem de ser pardos e passem a ser visíveis. Bucuane diz muito, sempre teve muito a dizer, escreve com palavras belas, que mimam os olhos, tão impossivelmente requintadas que é mesmo difícil perceber a sua admirável engenharia.
9 Entre o Índico e o Atlântico: ensaios sobre a literatura e outros textos, de Sara Jona
Sara Jona é, evidentemente, uma das personalidades literárias de 2015, pelas diversas apresentações de livros que fez: poesia, prosa e infanto-juvenil. “Entre o Índico e o Atlântico”, que percorre a carreira da autora como pesquisadora e crítica de literatura, agrupa textos divididos em cinco categorias, nomeadamente: colóquios, seminários, congressos; apresentação de livros em dias de lançamento; reflexões sobre a actualidade; prefácios e notas de contracapa; e homenagens. Excelente comunicadora, Jona apresenta, nas 213 páginas que compõem o livro, intervenções obrigatórias para qualquer estudante de literatura ou linguística, escritores e, por que não, leitores curiosos. Não é nenhum livro de cortar a respiração, aliás, como adverte a autora, a “obra pretende contribuir para discussões sobre literatura”, e com todo o mérito – afinal Moçambique é um país caracterizado por uma fraca produção literária e um pequeno número de leitores, isso confrontado à inexistência de um Plano Nacional de Leitura e às reprovações massivas em quase todos os níveis de ensino.
10 Cadernos de Memória – Volume II, de Aldino Muianga
Nesta que é a sua décima quarta obra, Aldino Muianga, o autor do romance Contravenção – uma história de amor em tempo de guerra (Prémio José Craveirinha, edição de 2008), apresenta um volume de histórias da sua infância. A maior parte da obra está virada para eventos passados durante a época colonial, nos subúrbios de Lourenço Marques. Com este livro, Muianga pretende conscientizar, particularmente aos jovens, sobre a urgência de se enaltecer o passado, através do qual se pode reconstituir a história e a identidade. Curiosamente, o segundo volume surge sem antes ter sido lançado o primeiro.