Por Dambisa Moyo[1], traduzido por Pedro João Pereira Lopes[2]

As economias emergentes do mundo enfrentam uma crise emergente. Esses estados são o domicílio de 90% da população mundial e, em média, 70% de sua população têm menos de 25 anos de idade. Esses jovens cidadãos sonham com uma vida melhor, mais livre, com mais oportunidades, e estão cada vez mais saindo às ruas, da África do Sul à Tailândia, do Brasil à Ucrânia.

Contudo, muitos governos do mundo em desenvolvimento estão dando passos para trás, não para frente – replicando ao descontentamento popular, seguindo a versão do que eles vêem como o “modelo chinês”. Os resultados podem ser terríveis para a economia global. O tamanho das economias emergentes – uma lista que começa, mas dificilmente termina com os chamados BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) – significa que as suas acções podem abalar os mercados de acções e obrigações, modificar as taxas de câmbio, subir os preços dos produtos, alterar o comércio global e moldar as decisões de investimento das empresas.

Estes países têm políticas e culturas extremamente variadas, mas o principal condutor de agitação em todos eles é um conjunto surpreendentemente idêntico de problemas económicos arraigados: o baixo crescimento, a pobreza constante, os salários estagnados e taxas de desemprego inflexíveis ​​que despediram milhões e cortaram qualquer probabilidade real de progresso para os empregados e as suas famílias.

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É preciso, no mínimo, uma taxa de crescimento de 7% para dobrar a renda per capita em uma geração e, assim, fazer uma diferença significante na pobreza. Entretanto, para a maior parte do mundo emergente, as taxas de crescimento não vão atingir nem a metade num futuro breve. No Brasil, Tailândia e Rússia, o crescimento ficará abaixo de 3% até 2014, dizem as recentes previsões do Fundo Monetário Internacional.

E a situação poderá piorar. Sob pressão dos cidadãos, precisamente impacientes pelo progresso, muitos líderes nestes países correm na direcção de políticas que, a longo prazo, são susceptíveis de inibir o crescimento económico e provocar mais turbulência. Por agora, as taxas, quotas, proibições de exportação e até mesmo a expropriação absoluta começaram a congelar o crescimento do comércio global. Em 2013, a Organização Mundial do Comércio reviu a sua previsão para o crescimento do comércio global de 4,5% para 3,3% – excepcionalmente menor do que a média de crescimento de 5,3% dos últimos 25 anos.

Tendências protecionistas – na Índia, Brasil e outros lugares – estão a originar pontos de bloqueio nos fluxos de capitais transfronteiriços. O movimento de dinheiro através do sistema financeiro está estancado desde a última década: em dólares, os fluxos transfronteiriços de capitais entre as economias do G-20 caíram quase 70% desde meados de 2007.

Enquanto isso, o papel do Estado nas economias emergentes está em expansão. Os 13 maiores produtores de energia do mundo são de propriedade governamental, principalmente no mundo em desenvolvimento, e 9 dos 10 maiores fundos soberanos por activos estão em mercados emergentes.

Outras potências emergentes estão ansiosas para emular o sucesso da China e buscar políticas estatistas que podem rapidamente oferecer um avanço de curto prazo. Sob o capitalismo de Estado, a China registou um crescimento fenomenal, tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza e aumentou o número de infra-estruturas e a provisão de serviços sociais.

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Além disso, com o progresso da China autocrática, a democracia e o capitalismo têm sofrido uma série de reveses que os tornam opções menos tentadoras. Estes variam entre os altos níveis de desigualdade de renda nos EUA à ascensão de governos na Rússia, Venezuela e em outros lugares que, são supostamente democráticos mas com um limite nítido de liberdade de expressão e do Estado de Direito.

É crescente o número de líderes das economias emergentes que enxergam o crescimento económico como um pré-requisito para a democracia, em vez de o contrário. Eles evocam as economias em expansão, não apenas a China, mas também, historicamente, estados autocráticos como a Singapura de Lee Kuan Yew e o Chile sob o regime do general Augusto Pinochet.

O histórico da China é, sem dúvida, impressionante, mas o modelo chinês não é tão viável quanto os seus admiradores, no mundo emergente, muitas vezes consideram ser. Em primeiro lugar, ao contrário de muitos mercados emergentes, o crescimento da China tem sido estimulado, em grande parte, pelas exportações. O seu sucesso tem sido dependente dos mercados livres do Ocidente. A maioria das outras economias emergentes é baseada em produtos agrícolas – somente o tipo de produtos que os EUA e a Europa depreciam com os seus próprios subsídios domésticos.

Em segundo lugar, é ineficiente um sistema económico que tem o estado no seu coração, visto que desarticula os mercados. Quando o governo é o último árbitro económico, os activos são inevitavelmente mal preçados, o que impede o crescimento sustentável a longo prazo. Ele também cria desequilíbrios entre a oferta e demanda, o que pode desencadear a inflação e distorcer as taxas de juros.

Finalmente, as políticas que reproduzem a China podem, a curto prazo, motivar uma explosão de emprego, mas também causam sérias externalidades e peso-morto económico. A própria China está agora a braços com enormes problemas de dívida em seu sector financeiro, uma bolha imobiliária que poderá estourar a qualquer momento e um nível de poluição que retarda o crescimento.

Deve preocupar-nos a todos que, defronte da crescente inquietação popular, muitos líderes, nos mercados emergentes, estejam se transformando em autoritários, optando por modelos de estados centralizados. Não importa o que justifique, a curto prazo, o recurso político às tais políticas, elas são susceptíveis, a longo prazo, de agravar a turbulência social e criar um ciclo vicioso os mercados emergentes e no mundo como um todo.

[1] Dra. Dambisa Moyo é economista e autora de Winner Take All: China’s Race for Resources and What it Means for the World e Dead Aid: Why Aid is Not Working and How There is a Better Way for Africa. Artigo traduzido do original “For poor countries, China is no model”, publicado a 19 de Set. de 2014. Aceda em inglês através de: <http://online.wsj.com/articles/for-poor-countries-china-is-no-model-1411141900>. Título da responsabilidade do tradutor.

[2] Pedro João Pereira Lopes é escritor, docente universitário e pesquisador. As suas áreas de pesquisa envolvem as relações China-África, pobreza, desenvolvimento e distribuição de riqueza. Contacte através de pedrolopes.isri.ap@gmail.com.