Porquê os provérbios?

O convite de Teresa Manjate para ler o manuscrito da sua tese, agora em forma de livro conheceu outras etapas, incluído a elaboração de um prefácio, até achegar ao lançamento por causa do qual nos juntamos, aqui na biblioteca Central da Universidade Pedagógica. E não poderia ter agido de outra maneira, quer pelo apreço que tenho pela autora como pelo interesse que, imediatamente, o tema despertou em mim! Na altura imaginei que nos ficaríamos pela leitura do manuscrito, mas equivoquei-me. Veio de seguida o repto para escrever o prefácio. Fi-lo receoso, primeiro porque sou muito verde nestas lides, depois porque pouco ou nada percebo de Paremiologia, que é a disciplina que se ocupa do estudo dos provérbios, analisando-os do ponto de vista da Linguística, da Psicologia e da Semiótica. Mas lá me fui inspirando, afinal a Malhari ma tsama ma fuliwile (As azagaias devem estar sempre preparadas, p.28).

Os provérbios são frases e expressões populares que transmitem conhecimentos comuns sobre a vida. São, na sua maioria, de criação anónima. Por serem curtos e directos, são simples de decorar e de transmitir. Abordam diversos assuntos e fazem parte da cultura popular das sociedades. Encontramos provérbios para, praticamente, todas as situações de vida.

E é isso que o livro mostra. Mas como é que eles escondem as relações de dominação? Esta é pergunta de fundo que atravessa toda esta nova proposta da autora.

O tema das relações de dominação é muito caro à sociologia de Max Weber mas não só. E este livro vem, precisamente, mostrar o quão preciosa é a interdisciplinaridade ao partir de um objecto de discussão tradicional nos estudos literários – que são a especialidade da autora – para estabelecer um diálogo com outras disciplinas como a Sociologia Política e a Ciência Política, porque o que o livro discute são as relações de autoridade, de poder ou de dominação, conforme nos apetecer designá-las, temas que são particulares a estas duas disciplinas quer na sua face clássica, como na moderna.

Com este trabalho da Teresa Manjate, desaparece em mim o preconceito talvez oriundo de uma interpretação deficiente da divisão do trabalho científico, preconceito segundo o qual a Linguística e os Estudos Literários detêm o monopólio do estudo dos provérbios. A autora afasta-se dessa vulgaridade, na verdade tenta afastar-nos a todos procurando mostrar, em primeiro lugar, que há todo um universo por trás dos textos proverbiais e, em segundo lugar, que uma parte desse universo é composto por relações de dominação. É a partir do recurso a quadros de análise elaborados desde a interacção entre determinadas categorias pertencentes em maior ou menor grau a disciplinas diferentes que a autora tenta dar conta da complexidade dos textos proverbiais, seu objecto de estudo real.

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Para uma aproximação à realidade dos factos Teresa Manjate coloca uma série de perguntas operacionais: de que forma a noção de poder/autoridade é apresentada através dos provérbios Tsonga? Como é que os textos representam a ideia de autoridade e poder? Quais os aspectos/dimensões do poder/autoridade explorados? Como se manifesta a flexibilidade (variabilidade textual) na representação de poder? Os textos proverbiais serão, de facto, imutáveis? Como é que estes aspectos sociais, semânticos e estruturais se relacionam?

Com a primeira destas perguntas percebe-se logo que a intenção da autora não é a de produzir uma ‘’grande narrativa’’. Pelo contrário trata-se de uma pesquisa empírica, circunscrita a um lugar e a uma realidade concretas, neste caso a ‘’nação’’ Tsonga. Os provérbios são seleccionados desta comunidade étnica e linguística do sul de Moçambique que não é, ela própria, homogénea. Daqui podemos transitar para as perguntas seguintes sobre a flexibilidade e a (i)mutabilidade dos provérbios. Ora, a ideia da heterogeneidade desta comunidade remete-nos para a sua criatividade e imaginação variadas na sua sociabilidade quer no tempo como no espaço que habitam. Essa imaginação e criatividade podem manifestar-se também nos seus discursos proverbiais tornando-os flexíveis e mudando-lhes a forma, por exemplo. Mas como isso se manifesta, por que mecanismos a condição social das pessoas, por um lado, e a semântica e estrutura dos textos proverbiais, por outro, se vão relacionar ao longo do espaço geográfico e do tempo são a discussão que a autora levanta.

Portanto, aqui fica uma bela proposta, de que podemos e – permitam-me ser normativo – devemos nos apropriar para reflectirmos sobre as dimensões cultural, política e até económica da nossa realidade social. Por que os provérbios? Porque ao reflectirmos sobre eles, na sua diversidade, como o livro sugere habilmente, podemos descobrir que as palavras, as expressões, as frases que aos nossos olhos são do mais banal que há, podem esconder uma parte considerável da explicação da nossa condição.

Texto apresentado por ocasião da apresentação do livro “A representação do poder nos provérbios: o caso Tsonga”, de Teresa Manjate.

Maputo, 15 de Outubro de 2015

Carlos Bavo, sociólogo, investigador

Centro de Estudos Africanos

Universidade Eduardo Mondlane